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Reinado de D. José

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Reinado de D. José Empty Reinado de D. José

Mensagem por Fundador 15th fevereiro 2012, 17:39

Reinado de D. José Phdjose1
D. José contava trinta e seis anos à data da sua aclamação (7 de Setembro de 1750). Era um homem de estatura mais que mediana, de ombros largos, olhos grandes, rosto branco, um tanto pronunciado. Da rainha, Mariana Vitória, filha de Filipe V de Espanha, tivera já quatro filhas. A princesa do Brasil, D. Maria, primogénita, ia completar dezasseis anos. Não fora afeito à administração dos negócios, de que o pai, D. João V, zeloso do poder pessoal, o afastara sistematicamente. Mas possuía, como ele, uma alta concepção da dignidade régia. Como o pai, mas mais exclusivamente, adorava as coisas belas e os belos espetáculos. Deliciava-se nas touradas, nas cavalgadas, nas caçadas, sempre seguido pela rainha, também exclusiva na sua paixão pelo marido. Tinha o gosto entusiástico da música. Mandava vir da Itália cantores e dançarinos afamados, contratava mestres de capela e compositores.

Não habituado ao trabalho, inconsistente nas opiniões e resoluções, o seu bom senso, que o tinha, aconselhou-o a confiar todas as matérias da administração a um primeiro-ministro de confiança. O grande ministro de D. José foi Sebastião José de Carvalho e Melo (mais tarde conde de Oeiras e marquês de Pombal). Este homem, que exercera o cargo de enviado português na Inglaterra, donde passara a Viena, a dirigir as negociações para a mediação de D. João V no conflito entre a Santa Sé e Maria Teresa, fora introduzido nas esferas governamentais pela rainha D. Maria Ana, a austríaca, quando esta, pela última doença do marido, assumira a regência. Chamara-o a dar o seu conselho autorizado, num negócio de importação de trigos que se prendia com a Inglaterra. O diplomata casara em segundas núpcias com uma dama austríaca, a filha do marechal Daun, que de Viena viera recomendado à rainha.

Dois dias depois da morte de seu pai, D. José nomeia novos ministros: o padre Diogo de Mendonça Corte-Real, filho do outro Diogo de Mendonça, ministro de D. João V, fica com a Secretaria da Marinha e Ultramar; Sebastião de Carvalho e Melo toma a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Na Secretaria do Reino permanece o velho Pedro da Mota, embora doente. Frei Gaspar da Encarnação, omnipotente ainda havia pouco, fora dispensado. A medida descontentou parte da nobreza palaciana, em primeiro lugar o mordomo-mor, marquês de Gouveia, investido já no título e vínculo de duque de Aveiro, mercê da influência de frei Gaspar, seu tio.

Como sinal de mau agouro, neste começo de reinado, é tido o incêndio do magnífico Hospital do Rossio, que D. João II fundara e D. Manuel I erguera naquele pomposo estilo que recebeu o seu nome. A trágica visão impressionou grandemente a população da capital (10 de Agosto de 1750).

Entretanto os ministros trabalham. Num relatório ao imperador, o enviado Stahrenberg classifica-os de "homens sérios, trabalhadores, bem intencionados".

Carvalho, sobretudo, sabe insinuar-se. Para se compreender o ascendente que adquiriu, mormente no espírito do rei, atente-se nas qualidades de sedução que um contemporâneo, o inglês Smith, lhe atribui: bela figura, estatura elevada e fisionomia espiritual expressiva, maneiras insinuantes, palavra fácil e fluente, voz agradável, brilho na elocução, afabilidade e cortesia no trato.

Logo de começo é entregue à competência de Sebastião de Carvalho um negócio alheio à sua secretaria. É o das minas do Brasil. O ministro reforma a legislação respetiva, a contento dos colonos. E, como o Conselho Ultramarino procurasse inutilizar as medidas tomadas, o ministro faz sentir desde logo o peso da sua mão férrea, o seu pendor para o despotismo. O conselho é advertido de que lhe cumpre o inviolável respeito dos decretos régios.

É notável a atividade do Gabinete no período que decorre entre 1751 e 1755. Promulgam-se importantes providências regularizando o comércio, tanto da metrópole como do ultramar, abrangendo a redução dos direitos sobre o tabaco e o açúcar, a proibição da exportação da moeda, o regulamento das frotas e do serviço dos portos, a regulamentação do comércio dos diamantes, a repressão dos abusos dos prestamistas judeus, e o estabelecimento da Companhia do Grão-Pará.

É um vasto plano de reorganização económica, cujo começo de execução ergue contra o Gabinete o protesto dos padres da Companhia de Jesus. Alegando os serviços prestados na colonização americana pelas suas missões, num esforço de dois séculos, protestam contra as medidas que lhes cortam a ação, em favor dos colonos comerciantes do Pará-Maranhão. No Brasil como em Portugal, o Gabinete de D. José pode considerar-se o fautor da alta burguesia dos negócios da classe média.

Este primeiro ciclo da administração josefina fecha com o considerável evento que foi o terramoto. Na manhã do primeiro dia de Novembro de 1755, depois das nove horas, o solo tremeu violentamente, por espaço de sete minutos, com dois breves momentos de intervalo. Fenderam-se e desmoronaram-se casas, palácios, igrejas. Meia Lisboa ruiu por terra, principalmente a parte baixa da cidade. Milhares de pessoas ficaram sepultadas nos escombros. O terror da população foi indescritível. Ao pavor do terramoto sucedeu o horror dos incêndios. Ao descer da noite uma cortina de labaredas envolvia a urbe. Preciosidades artísticas e literárias desapareceram, soterradas ou queimadas. Ruíram o Paço da Ribeira, com a magnífica biblioteca que D. João V enriquecera, o teatro da ópera, o palácio da Corte Real, o Castelo de S. Jorge, o arquivo da Torre do Tombo. Dez mil vítimas, segundo os cálculos mais modestos. Trinta ou quarenta mil – afirmou-se na ocasião.

A família real não sofreu com o cataclismo. Encontrava-se na quinta de Belém. Diogo de Mendonça desapareceu nas asas do pânico. Pedro da Mota, velho e doente, não mandava. Só Carvalho cumpriu, com decisão e energia, o seu dever de governante. Segura, aturada, previdente, cheia de eficiência, a sua ação, nas providências tomadas após a calamidade, foi notabilíssima. Valeu incomparavelmente mais do que a frase-programa que a estultícia dos aduladores e dos retóricos lhe atribuiu, e que aliás foi pronunciada pelo marquês de Alorna: "Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos".

Sob a direção do ministro desentulharam-se as ruas, procuraram-se as vítimas nos escombros, organizaram-se hospitais, prenderam-se e justiçaram-se os ladrões e assassinos, surpreendidos em flagrante em meio da calamidade, procedeu-se à distribuição dos víveres, proibiu-se o levantamento do preço dos géneros, encomendaram-se para as províncias grandes remessas de trigo e farinha, isentou-se de imposto o pescado destinado à capital, enfim, restabeleceu-se a ordem e a segurança pública. Mais de duzentos decretos foram promulgados.

Elogiando as providências de Carvalho, Bachi, o embaixador francês, não esqueceu o modo como ele reprimiu "um outro género de flagelo, o zelo indiscreto dos pregadores fanáticos", que faziam ver no cataclismo um castigo de Deus, suscitado pela impiedade do século. O secretário de Estado tratava de o explicar às populações como um fenómeno natural.

A família real, que se abrigara em barracas no alto da Ajuda, mergulhara em extremos de devoção. Dois barbadinhos italianos presidiam ali a uma verdadeira missão, com exercícios espirituais, ladainhas, homilias, desagravos.

A campanha contra o Governo recrudescia. Os inimigos entreviam a possibilidade de o derrubar. Os padres jesuítas, que tinham fomentado o protesto contra a fundação da Companhia do Grão-Pará, e por isso exilados para vários pontos do país, regressavam à capital e exerciam viva ação política contra o ministro, que lhes embargara a atividade colonizadora e comercial no Brasil. O próprio Carvalho, certamente por desígnio régio, afrouxara a repressão.

Ao rancor dos padres inacianos juntava-se o ódio inclemente da alta nobreza, a indignação dos comerciantes atingidos pelas recentes medidas, o acre descontentamento do povo, que a extensão da calamidade afundara na miséria.

Entretanto, Sebastião de Carvalho aplicava a lucidez do seu espírito e a decisão da sua vontade ao esforço para a reedificação de Lisboa. Não se limitou a conceber a vasta obra de levantamento de uma cidade nova, sob um plano de beleza e grandiosidade em contraste com a mesquinhez arquitectónica do antigo burgo. Impôs-se, resistiu à força da rotina, à tendência do menor esforço, às resistências dos interesses feridos, para a curada execução do projeto de Eugénio dos Santos, o arquitecto que se ilustrara já nas obras de Mafra.

Com a morte de Pedro da Mota (Maio de 1756), Carvalho toma posição mais firme e saliente no Governo. É-lhe confiada a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. Luís da Cunha Manuel substitui-o na dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Mas Diogo de Mendonça procura libertar-se da tutela do colega, cada vez mais efetiva e humilhante. Conspira. À boca pequena critica-lhe os erros administrativos. Encontra aliados na nobreza palaciana. E mete-se a proteger um projeto de casamento espanhol para a princesa do Brasil, de acordo com o embaixador Torrero. O noivo seria o infante Luís. Tanto Carvalho, como o próprio rei, não queriam ouvir falar de tal coisa.

Paralelamente desenvolvia-se uma outra intriga. Os grandes cortesãos, e certos aliados da burguesia de toga e das finanças, preparavam a organização de um ministério, em que deveriam entrar os duques de Aveiro e de Lafões e os marqueses de Angeja e de Marialva. O facto de serem estes dois últimos amigos e companheiros assíduos do rei parecia dar à combinação certa viabilidade. O rico negociante Martinho Oldenberg, a quem fora dado o monopólio do tráfico das Índias, participava na cabala. Por haver granjeado o favor do monarca, com a oferta de umas casas suas para residência da família real, foi o escolhido para sondar o soberano. Como? Fazendo tremeluzir ante o olhar régio um doirado projeto de empréstimo para a reconstrução de Lisboa. E como o rei lhe respondesse que apresentasse a proposta a Carvalho, Oldenberg recusou-se a fazê-lo, acusando de concussão o secretário de Estado. D. José pediu provas. Um advogado de fama, Teixeira de Mendonça, redigiu um libelo tremendo contra o ministro, que era acusado de delapidar os dinheiros públicos, de receber gratificações para favorecer contratos com o Estado, de ter algibeirado ações da Companhia do Grão-Pará.

E quando a conspiração parecia prestes a vingar, surgiram subitamente, da Secretaria do Reino, mandados de captura contra Oldenberg e Teixeira de Mendonça, que foram deportados para Angola (Julho de 1756).

Carvalho, que soubera defender-se, ganhara prestígio junto do soberano. E foi ele ainda quem ganhou a partida jogada com o colega de Gabinete. Na noite de 30 de Agosto de 1756, o padre Diogo de Mendonça, após um banquete oferecido ao corpo diplomático, recebia ordem para sair de Lisboa no escassíssimo prazo de três horas. Era-lhe fixada residência numa quinta que possuía em Aveiro. Mais tarde seria deportado para Mazagão, e viria a morrer num cárcere de Peniche.

Nestes atos, rápidos e enérgicos, transparece, já bem cimentada, a aliança do rei com o seu primeiro-ministro. Eles trouxeram um acentuado desânimo à fação que tinha acreditado na queda do ministro. Nos vários círculos de descontentes começou a crescer a convicção de que Sebastião de Carvalho só cairia com o desaparecimento do monarca. "Só por morte do rei!" segredava-se. Dessa convicção ao desejo de que a ideia se realizasse vai um passo. Os inimigos do ministro passam a sê-lo também do rei. E com aquele desejo conjuga-se o de ligar a herdeira do trono, pelo casamento, a seu tio D. Pedro, figura medíocre com que todavia contavam os grandes cortesãos e os padres jesuítas na reaquisição das antigas influências. D. José pressente-o. À velha prevenção contra o infante, junta-se uma outra: a lembrança da substituição no trono, em tempos que ainda não iam longe, de um irmão por outro irmão. Carvalho está de acordo com o rei. Um casamento que agrada aos grandes fidalgos e aos jesuítas deve adiar-se indefinidamente. Por esse tempo, o duque de Lafões, primo do rei, indigitado para o ministério dos duques e marqueses, é afastado da Corte. Parece, além disso, ter havido um começo de romance entre ele e a princesa do Brasil. Os seus entendimentos com os outros elementos predominantes da nobreza tomavam-no perigoso, tanto mais que o duque era inteligente e culto. Foi-lhe fixada residência em Viena de Áustria.

Neste segundo período de repressões, é atingido o padre Gabriel Malagrida, um daqueles pregadores que tinham embaraçado o Governo após o terramoto. O jesuíta continuara a pregar contra a impiedade do século, atribuindo-lhe a causa do cataclismo e anunciando que novos castigos de Deus cairiam sobre a terra. Não se limitou a pregar. Publicou um folheto (Juízo da verdadeira causa do terramoto), em que, numa alusão direta, perguntava se haveria herege que pudesse dizer que aquele açoite (o sismo) fora "puro efeito de causas naturais, e não fulminado especialmente por Deus, pelos nossos pecados" (Outubro de 1756). O Governo obtém do núncio o seu desterro para Setúbal.

Na cidade do Sado estabelece-se então o quartel-general das forças da reação contra o Governo. As damas da alta nobreza ali vão beber as palavras indignadas e proféticas do iluminado, que lhes lisonjeia o sentimento de aversão ao ministro e ao soberano que o mantém. A marquesa de Távora (D. Leonor) ali vai ouvir de novo o seu diretor espiritual (Malagrida).

Mas em Setembro promulgara-se o famoso decreto instituindo a Companhia dos Vinhos do Alto Douro e no Porto rebenta um motim popular (23 de Fevereiro de 1757). Vadios, rameiras, escravos e soldados, açulados pelos taberneiros que a recente instituição arruinava, pelo encarecimento do vinho a retalho, reúnem-se em alvoroço no Largo da Cordoaria, protestando contra o monopólio, insultando o frade João Mansilha, que o negociara com o Governo, e indo assaltar a casa do provedor da nova Companhia, Luís Beleza.

O ministro do reino viu no motim uma revolução que ameaçava subverter a ordem social, censurou asperamente os desembargadores da Relação que tinham classificado o facto de rebelião, e classificou-o de crime de lesa-majestade. Apavorados, os desembargadores firmaram uma sentença execranda (11 de Outubro). De 478 pessoas julgadas, o juiz do povo e mais vinte homens foram condenados à morte. Cinco mulheres o foram também. Trinta e quatro pessoas, apenas, conseguiram a absolvição. Às restantes aplicaram-se várias penalidades menores. A Casa dos Vinte e Quatro foi, muito simplesmente, extinta.

Numa carta, então dirigida ao juiz da alçada, que fora ao Porto inquirir dos acontecimentos, Carvalho definia o crime de lesa-majestade: "a majestade não consiste somente na pessoa de El-Rei, mas também nas suas leis".

Que novos, extraordinários castigos se inventariam, no dia em que mão sacrílega ousasse erguer-se contra a pessoa quase divina que era o monarca, na ideologia do tempo?

A atmosfera política adensou-se espantosamente, desde que, em Maio daquele ano de 1757, se publicaram no Pará as leis que extinguiam as missões e em que os índios do Brasil eram declarados livres. Os padres de Santo Inácio perdiam toda a preponderância que ali tinham exercido até então. Eram autorizados a permanecer nas aldeias, mas simplesmente como párocos. A administração passava a ser feita diretamente por funcionários régios. Logo surgiram conflitos entre os missionários e as novas autoridades.

Quando estes factos se souberam em Lisboa, os membros da Companhia alarmaram-se enormemente. Surpreenderam-se sobretudo aqueles que viviam no Paço, os confessores da família real. O padre José Moreira, confessor do rei, e que este, solidário com o Gabinete, não prevenira do golpe, procurou logo o soberano para lhe manifestar a amargura dos confrades. Era noite. D. José, que regressara da caça, recusou recebê-lo. E quando em conselho, nessa mesma noite, ouviu ler os ofícios em que do Brasil lhe comunicavam a rebeldia dos missionários, teve um assomo de irritação, cujo resultado foi a ordem de expulsão imediata do Paço aos confessores jesuítas. A ordem executou-se às quatro da madrugada.

Tudo se faz de surpresa para os que não estão no segredo do Gabinete. O segredo é a grande força dos regimes de despotismo. Mas Pombal não é aqui o único déspota. Esta expulsão dos confessores só poderia ter-se dado com a absoluta e consciente solidariedade do soberano. D. José convencera-se de que os padres da Companhia contribuíam para o ambiente de desordem em que o Gabinete atuava. "A majestade não consiste somente na pessoa de El-Rei, mas também nas suas leis". E esta era a convicção dos ministros e dos juristas, que veremos solidários no processo dos Távoras.

Entre os altos dignitários da Corte, eram os membros desta família os que mais avultavam. O marquês de Gouveia, mordomo-mor, agora duque de Aveiro, estava-lhes ligado. Era casado com uma das Távoras.

Dentre as pessoas que informavam o rei das queixas da nobreza, a que mais crédito devia merecer-lhe encontrava-se precisamente em terreno inimigo. Era a própria amante, D. Teresa, irmã do marquês de Távora (Francisco de Assis) e mulher do filho deste, o marquês Luís Bernardo. Chamavam-lhe a Marquesa nova, para a distinguir da outra marquesa, D. Leonor, que era a mãe de Luís Bernardo. Se a marquesa nova nutria pelo régio amante, como se disse, uma paixão séria, é natural que, receosa de toda a ameaça de perigo, se apressasse a informar o monarca de tudo o que dele e do Governo se dizia naquela roda e no seio da própria família.

A condessa de Atouguia, filha dos marqueses de Távora, deixou nas suas Memórias uma impressiva descrição do estado de espírito em que a família se encontrava, principalmente as senhoras, nos últimos meses que precederam o atentado. Abalara-as profundamente a situação criada aos padres de Santo Inácio pelo Governo. E narra pormenorizadamente uma entrevista que, na Semana Santa de 1758, tiveram com Malagrida, na Serra da Arrábida, a marquesa velha e seu filho José Maria, e à qual assistiu a autora das Memórias. Espias do Governo vigiavam esses encontros.

O jesuíta continuava a predizer castigos, que a cólera divina faria tombar sobre as cabeças dos responsáveis pela perseguição à Companhia. O ministro austríaco comunicou um dia a Carvalho a história de uma carta, escrita por um antigo missionário do Brasil ao pontífice, na qual se dizia que um grande perigo pendia sobre a pessoa do rei de Portugal. Ora Malagrida tinha escrito ao papa Clemente XIII, acerca da situação dos jesuítas, expulsos das missões e proscritos, e atribuíra toda a culpa a Carvalho, dizendo: "Se ele pudesse degolar de um só golpe os jesuítas todos, com que prazer o faria!".

Na noite de 3 de Setembro, recatadamente, D. José, na companhia do criado particular e confidente, o sargento-mor Pedro Teixeira, tomara a sege que habitualmente o conduzia às entrevistas amorosas e que pertencia ao mesmo Teixeira. Ao voltar para o Paço, pelas onze horas, e quando a sege seguia a passo pela calçada do Galvão (Belém), surgiram do escuro três homens a cavalo, que dispararam tiros sobre a sege. O cocheiro chicoteou a parelha e o carro seguiu à desfilada, quando de nova emboscada se destacaram alguns vultos, também a cavalo, disparando uma descarga violenta sobre o espaldar da sege. O rei está gravemente ferido; Teixeira e o bolieiro foram também atingidos. Em vez de seguir para o Paço, a carruagem voltou à calçada da Ajuda e desceu à Junqueira, indo parar à porta do cirurgião Soares Brandão, que procedeu aos indispensáveis curativos.

No Paço foi recomendado o máximo silêncio sobre a aventura. De manhã, corria uma versão oficiosa: o rei adoecera durante a noite e estava tão mal que o haviam sangrado. Mas logo se espalhou uma outra, que, por mais escandalosa, obteve maior crédito: os Távoras esperaram o rei e deram-lhe uns tiros. O motivo era aliás convincente: os ciúmes do marquês Luís Bernardo e o pundonor ofendido dos Távoras.

D. José esteve gravemente enfermo. A rainha assumiu a regência. Mas no Paço continuou a guardar-se a máxima reserva.

Ora, logo no dia seguinte ao do atentado, o duque de Aveiro teve a estulta imprudência de pedir à marquesa nova, sua cunhada, uma entrevista, que não deveria realizar-se nem em sua casa nem na dela. Foi em casa de um escudeiro da marquesa o encontro. Mostrou-se muito perturbado com a atribuição do crime aos Távoras, dizendo-se receoso de que eles se tivessem lançado nalgum excesso. Mas o duque dissimulava.

Na noite de 3 de Setembro, ele reunira os parentes em casa, num serão. As salas estavam iluminadas, as janelas abertas, as carruagens esperavam à porta, a música ouvia-se de fora. Pelas dez horas, tendo mudado de fato e de cabeleira, Aveiro esgueirou-se pelos jardins, deixando a festa a meio. Viu-o regressar, depois da meia-noite, um moço que lhe namorava uma das criadas e se ocultara no jardim. Com ele chegara um outro embuçado, que ao rapaz parecera José Maria de Távora, o filho mais novo dos marqueses. O duque atirara com um bacamarte contra uma pedra, dando-o aos diabos, por lhe não ter servido. E os vultos trocaram algumas palavras a respeito do rei, que a um deles parecia ter morrido.

O verdadeiro motivo da doença do rei só veio a ser declarado oficialmente três meses depois, a 13 de Dezembro, quando o processo se tornou público. Na madrugada desse dia as casas dos Távoras e dos Atouguias eram cercadas por tropas de Cavalaria e Infantaria, e bem assim as casas conventuais dos jesuítas. Foram presos o marquês Luís Bernardo, seu irmão José Maria, seus cunhados, o conde de Atouguia e o marquês de Alorna. O marquês velho (Francisco de Assis), general de Cavalaria e antigo vice-rei da Índia, foi preso no Paço, no momento em que se queixava aos ministros da violação do seu domicílio e pedia explicações. O duque de Aveiro estava no seu solar de Azeitão, quando ali o foram capturar. Seriam ainda presos outros nobres e alguns padres da Companhia.

Sobre o duque recairiam as máximas responsabilidades. Veio a confessar toda a sua ingerência no caso, comprometendo gravemente os marqueses de Távora, pai e filho, a marquesa mãe, o conde de Atouguia e o moço José Maria. Entre os conjurados houvera uma colecta de fundos, para pagar os sicários. Ele, duque, distribuíra o dinheiro por António Álvares e por Policarpo de Azevedo, plebeus, que figuraram no processo como réus. José Maria e seu pai, o marquês Francisco de Assis, apesar dos tratos, mantiveram-se na negativa. Mas Luís Bernardo e Atouguia fizeram confissão completa, arrancada à custa de tratos espertos, como era de uso no tempo.

Leonor de Távora, que viria a ser condenada sem provas objetivas, esteve detida no convento dos Grilos. Segundo a sentença, ela fora uma das três cabeças da conjura, confederando-se com o duque de Aveiro e com os jesuítas, e exercendo ação despótica sobre o marido, os filhos e os genros.

A instrução do processo foi dirigida pelos próprios secretários de Estado, que presidiam aos interrogatórios juntamente com o juiz da Inconfidência, doutor Cordeiro Pereira, nomeado expressamente. Pouco depois (4 de Janeiro) era nomeada uma comissão de magistrados (Junta de Inconfidência), que devia julgar os indiciados em processo sumaríssimo. A 9 de Janeiro, o ministro Carvalho notificava a essa junta que o soberano, "atendendo à suma gravidade e delicadeza" do negócio, que diretamente respeitava à pessoa real, ordenava que o processo se conservasse absolutamente secreto. Só a sentença circularia. Evitava-se a publicidade das referências às relações amorosas do rei com Teresa de Távora. Os juízes não poderiam mencionar as causas determinantes do atentado, devendo limitar-se a provar o ato criminoso. Tudo isto leva a admitir a existência de provas ocultas, fornecidas pelo próprio monarca. Um dos juízes, Marques Bacalhau, afirmaria depois (Tratado Apologético) que todo o conteúdo da sentença estava provado, porquanto o rei tinha em sua mão "provas convincentes", que não admitiam dúvidas.

O mais curioso é que, enquanto a Casa dos Vinte e Quatro pedia que os criminosos fossem desnaturalizados e privados de todos os privilégios e honras, a Junta de Inconfidência requeria que lhe fosse permitido ampliar os castigos a aplicar para além das penalidades que as leis do reino determinavam, porquanto estas não eram suficientes para castigar "ferocidade tão inaudita, tão insólita entre os portugueses" (11 de Janeiro). O rei concordou. No dia seguinte, 12, a sentença era lavrada, e a 13 executava-se no patíbulo de Belém.

A ignóbil carnificina começou pelas sete da manhã. Foi uma série de visões sinistras: Leonor de Távora decapitada, depois de lhe terem mostrado todos os instrumentos de suplício e o modo como iam morrer o marido e os filhos; Luís Bernardo, José Maria, o conde de Atouguia, um criado e os assalariados do duque, e um criado dos marqueses, o cabo Romeiro, estrangulados e rodados, depois de lhes terem quebrado os ossos dos braços e das pernas; o marquês velho com a arca do peito esmagada sob uma maça de ferro, que depois lhe foi quebrando, sucessivamente, os ossos dos braços e das pernas e finalmente o rosto; o duque de Aveiro a gritar espantosamente sob a maça que lhe rebentou o ventre, antes de lhe esmagar o peito e de lhe fracturar os membros e a cara.

Na noite de 11 para 12 tinham sido presos, nas casas dos jesuítas, vários padres denunciados pelo duque ou apontados por outros, entre eles, Gabriel Malagrida e José Moreira. A junta decidiu dissolver as comunidades, sequestrar os bens da Companhia, enviar os religiosos com quarto voto para a África, a missionar, e substituir as escolas da Companhia por escolas públicas.

O sequestro começou a 19, em Lisboa, onde a Ordem possuía sete casas, seguindo-se-lhes os treze colégios das províncias e os quatro das ilhas, as residências, os noviciados e as casas professas. Mas o gabinete não podia proceder contra os religiosos sem autorização papal, e em Abril de 1759 decide comunicar o caso à Santa Sé, acusando a Companhia de "incompatível com a paz e tranquilidade pública".

Ao mesmo tempo o embaixador de Portugal inundava a cidade papal de brochuras com ataques veementes à Ordem. A 2 de Agosto, Clemente XIII, no breve Dilecti Filii, autorizava que o tribunal da Mesa de Consciência entregasse à justiça secular os padres convictos de participantes no atentado. O núncio insistiu em depor a epístola nas próprias mãos do rei. Carvalho opôs-se terminantemente, e daqui nasceu um conflito, que terminou pela expulsão do núncio e rotura de relações com o Vaticano.

O ministro do reino viu-se inibido de fazer processar os religiosos, que nos cárceres aguardavam julgamento, e resolveu o caso com a expulsão do país de todos os jesuítas não encarcerados e com a manutenção indefinida nas prisões dos que haviam sido indiciados.

O primeiro aniversário da tentativa de regicídio (3 de Setembro de 1759) foi celebrado com a publicação da lei de expulsão. Todos os padres atingidos pelo decreto viram-se embarcados em navios e transportados para os Estados Pontifícios, como que remetidos ao papa, seu patrono. Gabriel Malagrida, o visionário, parece ter enlouquecido no seu cárcere do Forte da Junqueira. Tinha alucinações, arroubos místicos, falava com o invisível.

Sebastião de Carvalho, que, por carta de 6 de Julho de 1759, fora feito conde de Oeiras, degrada-se num dado momento, assumindo a posição de delator. Como familiar do Santo Ofício, denuncia o demente por heresia. E, por heresia, o jesuíta é conduzido aos cárceres da Inquisição e submetido aos tratos. A 20 de Setembro de 1761, num auto-de-fé, em pleno Rossio, sofreu a pena do garrote e da fogueira.

A posição de Pombal firmara-se ferreamente. Ele era agora, na verdade, o primeiro-ministro de um monarca absoluto da centúria de setecentos – não só o braço executor, mas a cabeça pensante, o dirigente de toda a administração centralizada. Apesar do seu ódio ao jesuíta, ele é o zeloso servidor do Trono e do Altar. E como, segundo o princípio absolutista, a religião do príncipe será a religião do vassalo, desveladamente reforma e amplia a ação do Tribunal do Santo Ofício, segundo ele "um dos tribunais mais conjuntos e imediatos à real pessoa… para extirpar as heresias e tentar a pureza da fé". E passa a utilizá-lo como instrumento de governo.

Quando vemos este gigante na arte de dirigir povos aplicar-se à tarefa mesquinha de denunciar um Malagrida por heresiarca, ou de extirpar os erros de doutrina de jacobeus e sigilistas, ou ainda de recomendar à Real Mesa Censória a interdição dos livros de Voltaire, Diderot, La Mettrie, Rousseau, enfim, dos iluminados da época, como a leitura dos grandes pensadores do século precedente (Hobbes, Locke, Espinosa), não podemos deixar de considerar quão longe ele está desse outro tipo do tempo, em que pretenderam enquadrá-lo – o filósofo do século das luzes que combate o obscurantismo religioso.

O período que medeia entre 1759 e 1777 é rico em reformas de administração, como em medidas de fomento. Da interdição aos jesuítas do uso da cátedra e da férula, data a vasta e notável reforma do ensino.

Neste período, o conde de Oeiras vai ter que intervir na política internacional. Mas, como dirigente da ação portuguesa no exterior, em todas as querelas de chancelarias, como em todos os conflitos armados que surgiram, o futuro marquês de Pombal não cessará de ver a pressão oculta do poderoso inimigo – o jesuíta. E a sua atitude em face do estrangeiro, amigável ou sobranceira, será sempre de combate à Companhia.

Até 1759 o Governo de D. José não pensa em guerra com o exterior e descura a preparação militar. Bem desagradável seria a sua surpresa, quando de súbito, naquele ano, se viu forçado a entrar no conflito que trazia a Europa dividida: a Grã-Bretanha e a Prússia de um lado; do outro a França, a Espanha e a Áustria. Aproveitando a luta acesa na Europa, os ingleses iam-se apoderando das velhas colónias francesas, na América do Norte e nas Índias. O governo de Luís XV prepara uma junção de forças navais para invadir a Grã-Bretanha. Os ingleses, prevenindo o ataque, caem sobre o Havre e destroem a armada de transporte, ali em preparação (Julho de 1759). Espera-se a frota francesa do Mediterrâneo. O almirante Boscawen vai-lhe ao encontro. A colisão das duas armadas dá-se no mar do Algarve (Agosto). Boscawen, vitorioso, persegue os navios franceses até junto dos fortes de Lagos.

Luís XV, ao mesmo tempo que manda agradecer a D. José o bom acolhimento dado aos marinheiros franceses na costa portuguesa, protesta contra a quebra de neutralidade por parte do almirante inglês e pergunta-lhe que providências conta tomar, para coagir o gabinete de Londres a restituir os navios apresados. Luís da Cunha Manuel, secretário dos Estrangeiros, responde com evasivas. Mas Pitt, o primeiro-ministro inglês, apressa-se a dar satisfações ao rei de Portugal, afirmando no entanto que os barcos apresados não seriam devolvidos aos franceses. E em Março do ano seguinte envia uma embaixada extraordinária a Lisboa, com o encargo de dar pública satisfação ao monarca português, em audiência solene. A demonstração é tomada por mais um penhor da sólida amizade existente entre as duas cortes. O conde de Oeiras, muito assediado pelo embaixador francês, apresenta a Lord Kinnoul, enviado inglês, a reclamação relativa à entrega dos navios, mas vai-lhe dizendo, particularmente, que não espera ser atendido. O francês continua a reclamar, a importunar mesmo, e Carvalho vê nos atritos por ele levantados um propósito de abrir conflito. Receoso de uma agressão militar, começa a insistir com o gabinete de Pitt para que lhe envie socorros.

Uma outra complicação surgira, e desta feita com a Espanha. O embaixador deste país apresentara o pedido oficial, em casamento, da princesa do Brasil para o infante Luís.

Grande sobressalto no Paço. Diogo de Mendonça caíra por causa deste projeto. D. Pedro, o infante, é o tercius gaudet. Decide-se responder à corte de Madrid que o casamento da princesa com o tio já estava de há tempos ajustado. As razões que lhe serviam de obstáculo haviam, aliás, desaparecido: os jesuítas tinham sido expulsos e a alta nobreza já não ousava conspirar. O matrimónio realizou-se quase logo (Junho de 1760). Mas a Espanha não perdoaria a afronta.

Em Agosto de 1761, Luís XV firmava com Carlos III de Espanha o famoso Pacto de Família, pelo qual os vários membros da Casa de Bourbon, reinantes na Europa, se comprometiam a defender mutuamente os seus estados. E, como não podiam esperar que o monarca português, ligado pelo seu casamento à casa de Bourbon, aderisse ao pacto, atentas as estreitas relações de amizade que mantinha com a Inglaterra, resolveram desde o início invadir Portugal.

Em Março de 1762 começaram a concentrar-se forças espanholas na fronteira portuguesa. Os embaixadores de França e Espanha, relembrando o incidente de Lagos e a não-satisfação às reclamações do primeiro daqueles países, notificaram ao Governo português acharem-se na disposição de vir quebrar, "com as suas baionetas, nos pulsos do povo português, os pesados grilhões da dominação britânica". Respondeu o rei de Portugal que defenderia a própria casa contra quem nela queria entrar sem seu consentimento.

A 30 de Abril, o general-em-chefe do exército franco-espanhol, marquês de Sárria, dirige um manifesto aos povos de Portugal, anunciando-lhes que os vem libertar. O país indigna-se. A guerra é declarada a 18 de Maio. Mas já nos primeiros dias do mês as tropas inimigas tinham penetrado na província de Trás-os-Montes. Miranda defendeu-se, mas capitulou. Bragança e Chaves foram ocupadas sem resistência. As forças inimigas, que daí se dirigiam para o Porto, encontraram a decidida resistência dos camponeses, operando em guerrilhas. A coluna invasora retirou novamente para além-fronteira.

Entretanto o exército luso-britânico organizava-se. Pitt, então na oposição, defendera no parlamento o envio de socorros a Portugal. Vieram de Inglaterra 8 000 homens, armamento e munições. O Governo contratara um general experimentado, o conde Guilherme de Schaunburg-Lippe, para assumir a direção das operações de guerra, e que completou a reorganização encetada antes da sua chegada.

Os franco-espanhóis passam o Coa a 23 de Julho, ocupam Castelo Rodrigo e vão cercar Almeida, que devia render-se nos fins de Agosto. Lippe, com quartel-general em Abrantes, destaca tropas para a Beira, no intuito de cortar a marcha do inimigo sobre o Porto ou sobre Lisboa, e manda um general inglês, Burgoyne, deter o movimento invasor pela linha do Tejo. Os castelhanos pretendem passar o rio em Vila Velha de Ródão. Burgoyne consegue manter-se nas posições que ocupara. Outro general inglês, Townshend, operava entre o Pinhel e o Codes, em marchas e contra marchas, que dispersaram e fatigaram o inimigo, já cansado de operações mal combinadas, e que se concentrou em Castelo Branco, donde em breve retirava a caminho da fronteira. Em Novembro (22) os espanhóis propuseram um armistício. A 3 do mesmo mês tinham sido assinados, em Fontainebleau, os preliminares da paz entre a Inglaterra, a França e a Espanha. A paz definitiva seria firmada em Paris, a 3 de Fevereiro de 1763.

Pelo tratado Portugal deveria reaver a Colónia do Sacramento, no Rio da Prata; mas os espanhóis apenas entregaram a praça de guerra, alegando que nela consistia a colónia, e guardaram quatro fortes e as povoações ao longo de 50 léguas de costa. Foi o que se ganhou. É de notar que Portugal não procurou a guerra; viu-se nela envolvido. A Espanha perdera Cuba e as Filipinas. Para as reaver teve de ceder a Flórida aos ingleses. As perdas da França foram mais extensas: o Canadá, a Luisiana (América) e o Senegal.

No entanto, o Governo português não considerava a situação segura. Receava a cada momento uma invasão dos franceses na Amazónia, pela Guiana, e dos espanhóis pelo Sul do Brasil. E manteve-se em acesa atividade diplomática até 1766, no intuito de conseguir novos socorros da aliada britânica.

Por esse tempo, e ainda por causa da fobia jesuítica do Gabinete de Lisboa, o sistema de alianças vai sofrer modificação. Havia mais de um ano que, em França, os padres da Companhia de Jesus tinham tido a mesma sorte que em Portugal. Luís XV convencera-se da sua intervenção na tentativa de regicídio de Damiens. O parlamento de Paris sentenciara a expulsão. Na Espanha ia repetir-se o êxodo.

A célebre revolta de los sombreros (Março de 1766) foi uma sublevação de todas as classes sociais, incluindo o clero, contra as cobranças de impostos violentas e certas inovações (como a abolição da capa e sombrero e a adopção da iluminação das ruas) do governo de Carlos III. Este demitiu os ministros Squilace e Enseñada, aos quais atribuiu o propósito deliberado de provocar a revolta por meio de medidas odiosas. Ora o marquês de Enseñada era um grande terciário, como então se dizia, isto é, não eclesiástico filiado na Companhia de Jesus. O rei de Espanha passou a consagrar aos membros da Ordem um ódio comparável ao que por eles nutriam os governantes de Portugal, e que mais aumentou quando surgiram documentos forjados, para provar que ele, Carlos III, era filho adulterino, e seu irmão Luís o herdeiro legítimo do trono.

O conde de Oeiras aproveitou o momento. O rei de Portugal felicitou o de Espanha por ter falhado o golpe dos jesuítas e ofereceu os seus serviços, prestando-se a enviar tropas de socorro e a vigiar a fronteira, não permitindo o internamento de insurrectos. A oferta agradou sobremaneira a Carlos III, que ordenara inquéritos e que, em Abril seguinte, decretava a expulsão dos jesuítas de todo o território espanhol.

Sebastião de Carvalho concebe então o plano de uma ação conjunta das potências católicas contra a Ordem de Santo Inácio: Portugal, a Espanha e a França proporiam ao papa a abolição da Companhia. O Gabinete português aproveitou mesmo a intervenção armada: as três potências declarariam guerra ao pontífice, com fundamento na proteção por ele concedida à Companhia, inimigo comum. A França, nesse momento, achou descabida a violência dos meios propostos, mas em 1768 lança-se abertamente na aventura, quando Luís XV, ressuscitando o Pacto de Família, toma a defesa do duque de Parma, que nos seus estados publicara certas leis que o clero julgou atentatórias das suas imunidades. A França e a Espanha, coligadas, ocupam militarmente Avinhão e Benavente e exigem a extinção da Companhia.

Era intensíssima a propaganda que contra ela se fazia nos países católicos. E em Paris, como em Madrid, suscitou franco entusiasmo a publicação, sob a égide do Governo português, do celebrado panfleto Dedução Cronológica. Nos três grossos volumes da obra, em cuja capa figurava o nome de José de Seabra da Silva, depois ministro com Pombal, compendiavam-se todas as acusações que nas últimas décadas se vinham fazendo aos padres inacianos.

Clemente XIII morre e os cardeais espanhóis e franceses conseguem eleger Ganganelli, que toma o nome de Clemente XIV (Maio de 1769) e se apressa a assegurar aos embaixadores dos países interessados que o seu desejo será realizado.

Ao conde de Oeiras envia compromisso escrito, insistindo no sentido de que se reatem as relações entre as duas cortes. O papa receava que Portugal se separasse do grémio católico. O certo é que a organização eclesiástica funcionava no país como igreja independente.

Por este tempo Sebastião de Carvalho é agraciado com novo título – o de marquês de Pombal.

As relações com o Vaticano reataram-se em Dezembro de 1769. Mas a questão da extinção da Ordem foi-se adiando. Só reviveu – e com que energia! – quando foi para Roma como embaixador de Espanha o irrequieto José Moñino, que não tolerava os jesuítas (meados de 1772). Em Novembro desse ano, o papa consultava diretamente o marquês de Pombal. Mostrava-se receoso de que a extinção provocasse um cisma no mundo católico. O ministro combateu tais apreensões e insistiu pela supressão. Ganganelli admirava o estadista português. Quando a ele se referia, pelo menos na presença de Francisco de Almada, plenipotenciário português, costumava exclamar: "Grande uomo! Grand uomo! Fortunato monarca!".

Este mesmo papa, a 21 de Julho de 1773, extinguia a Companhia de Jesus (breve Dominus ac Redemptor).

O embaixador inglês, Robert Walpole, escrevendo para Londres acerca de Pombal, dizia que era preciso reconhecer-lhe o mérito de ter sido o primeiro naquele século que se atrevera a atacar abertamente a Companhia, que de tanta influência gozava em muitas cortes.

Se o monarca recompensou o ministro engrandecedor do trono com dois títulos e as respetivas vilas, o ministro quis imortalizar o monarca no mármore e no bronze. Em Junho de 1775 celebrava-se em Lisboa, com sumptuosos festejos, a reedificação da cidade, e inaugurava-se a estátua equestre de D. José. Por essa ocasião Pombal escapou a um atentado.

Sob o assento da carruagem que o devia transportar, fora colocado um petardo. O genovês Baptista Pele, acidentalmente em Lisboa, foi acusado da tentativa e declarado réu de lesa-majestade. Sofreu a bárbara pena que em França se aplicara a regicidas: mãos decepadas, o corpo arrastado nas ruas por quatro cavalos.

No começo de 1777, quando o juiz Pina Manique, executando uma ordem do Governo, mandou lançar fogo às barracas dos pescadores da Trafaria, com o fundamento de que nelas se abrigavam desertores, já o rei se encontrava bastante doente. A estrela de Pombal empalidecia. A rainha Mariana Vitória governava, como regente, desde Novembro. Foi provavelmente ela quem insistiu para que se fizesse, apressadamente, o casamento do neto, o jovem príncipe da Beira (D. José), com sua tia D. Maria Benedita. Na combinação não entrou certamente Pombal, para o qual as portas da alcova régia já dificilmente se abriam. Certos presos políticos, como o bispo de Coimbra, foram mandados soltar. José de Seabra, que fora ministro com Pombal, e desterrado por quebra de sigilo, era mandado regressar ao reino.

Após vinte e sete anos de reinado, D. José falecia a 24 de Fevereiro daquele ano.

Por Ângelo Ribeiro e Hernâni Cidade, em História de Portugal, Volume VI

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