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Crepúsculo do Homem - Ensaio de uma Crítica da Pós-Modernidade

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Mensagem por Fundador 29th maio 2014, 16:35

Título: Crepúsculo do Homem - Ensaio de uma Crítica da Pós-Modernidade
Autor: Carlos Costa

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Prólogo
Para todos os eremitas que vivem nas cumeadas, numa orgulhosa solidão, a pós-modernidade apresenta-se como uma doença incurável e contagiosa; felizes são esses visionários que habitam em lugares onde o ar é mais puro e o silêncio é rei e senhor! A grande maioria dos homens já foram infetados, e sendo assim devemos ser o mais brandos que seja possível para com os doentes e centrar o máximo da nossa atenção na doença que os tiraniza. Este mal não sente piedade para com toda a elevação e dignidade; retribuímos com a mesma moeda, seguros que ainda poderemos encontrar ouvidos sensíveis que compreendem a nossa angústia.
   
Formadora de rebanhos, a pós-modernidade diminui o valor dos homens, colocando-os todos ao mesmo nível. O seu imperativo é «somos todos iguais», cuja consequência é óbvia para os poucos que têm os olhos abertos: a ausência de homens superiores que poderiam apontar, com o dedo bem firme, novas direções a tomar ao conjunto da humanidade. Esses titãs, homens mais raros e excecionais, forjados a partir dos metais mais preciosos, que criam justificações para as ações humanas, encontram-se impossibilitados de surgir na atualidade, porque a ideia de igualitarismo criou raízes nas próprias fundações do mundo; o que se quer hoje é um tipo de homem comum. Todos aqueles que erguem a cabeça entre o numeroso rebanho são atingidos por um exército de vexames – e bem lá no fundo, os pós-modernos até sentem vontade de lançar uma grande gargalhada quando ouvem falar em «homens superiores». A conservação de um modo de viver que podemos definir como estar no mundo recebe hoje as maiores honras neste imenso deserto que nos rodeia.
   
Mas no outro lado da barricada, nós, os poucos que não temos medo de falar daquilo que sabemos, preparamos o nosso arsenal e, dando um passo corajoso em frente, entregamos ao embaixador da pós-modernidade uma declaração de guerra! Conscientes da dificuldade da tarefa, mesmo assim não hesitamos – que temos nós a ver com hesitações? Ainda existe a possibilidade de uma grande vitória!

I
Aquilo que mais se destaca na pós-modernidade é a completa ausência de objetivo para a sociedade: não existe um rumo definido nem um destino. A civilização ocidental encontra-se à deriva num oceano tempestuoso de experiências e informações, sem uma costa à vista. A incapacidade de resistir a estímulos está mais presente hoje do que alguma vez esteve; os pós-modernos são mais fragmentados, mais dispersos, mais fracos do que os seus antepassados. O que é ser pós-moderno? É ser incapaz de selecionar entre as inúmeras possibilidades que o nosso tempo oferece as poucas que criem um agir organizado e determinado. Os homens estão no mundo como espectadores, não como atores.
   
Os pós-modernos engolem tudo e mais alguma coisa, e quem paga a fatura é o seu sistema digestivo; isto é, tudo o que os rodeia é absorvido, e desse modo a sua atenção fica fragmentada: entram em degenerescência, dado que falta um operar no mundo. O excesso de informação presente na atualidade tem como consequência a apatia, a noção de que nada possui valor; no momento em que tudo se move à velocidade da luz, os pós-modernos não conseguem reconhecer importância em coisa alguma. Tudo está na moda e ao mesmo tempo nada está na moda: no momento em que se pretende seguir um determinado caminho, já essa rota se desloca para o antigo. A esquizofrenia é rainha e senhora nas nossas cidades, que já são apenas um conjunto desorganizado de betão e loucura.
   
A ausência de objetivo na civilização ocidental implica uma enorme diminuição de força psicológica, cuja repercussão é um profundo mal-estar. Perdeu-se a crença no valor do homem, isto numa época em que Deus já não está presente na nossa perceção do mundo; retirou-se o teto à existência, ao mesmo tempo em que já não se acredita no homem como arquiteto do sentido e propósito da vida. A fraqueza psicológica dos pós-modernos em suportar a pressão da existência é a causa do colapso dos horizontes, das esperanças no futuro. Qual a origem desta fraqueza?

II
Os pós-modernos desejam acima de tudo conforto e bem-estar. Lançam anátemas a todas as dificuldades, adversidades, resistências e dores do mundo. Esta incapacidade de suportar sofrimento é já sinal de uma exacerbada sensibilidade, de uma enorme fraqueza. Os pós-modernos não conseguem enfrentar a vida tal como ela é – na sua essência, competição e dureza. Querem estar inseridos numa redoma de cristal que os proteja de todas as tempestades e de todos os sofrimentos. Eles sabem que o sofrimento faz parte da vida, mas ao mesmo tempo não o querem experimentar. Anseiam por destruir essa faceta da existência, sem se aperceberem que com essa atitude rejeitam a própria vida.
   
Toda a atividade pós-moderna se realiza no intuito do facilitismo, imediatismo e utilitarismo. Os pós-modernos existem apenas no presente, não têm destino no futuro e utilizam o passado como lição (não como motivação, o que seria o mais recomendável). São criaturas demasiado delicadas, femininas, carentes de unidade. Os seus desideratos são eliminar tudo aquilo que é contraditório e perigoso; erradicar todo o racismo e toda a xenofobia com vista a um ambiente pacífico, em que não haja nada que faça ferver o sangue; atribuir direitos a todas as minorias, para com isso destruir tudo aquilo que é superior; fazer desaparecer todos aqueles que têm um sentido de missão, para evitarem serem feitos seus instrumentos. Em suma: igualitarismo absoluto, ausência de perigosidade e prazeres ao virar da esquina, eis aquilo a que os pós-modernos apelidam de «sociedade evoluída». No fundo pretendem secar as fontes do sofrimento, visto que não possuem constituição psicológica suficientemente forte para beber dessa água.
   
O ar que respiramos está repleto de belos sentimentos – na Imprensa, nos programas de televisão e até na música. Este romantismo enfraquecido mina todos aqueles que são sólidos como o aço; o metal torna-se líquido, corre numa orgia de emoções desagregadas e finas como os fios de uma teia de aranha. Os imperativos morais inflacionados enfraquecem todos aqueles que tentam escalar montanhas; forçam-nos a descer aos vales do altruísmo e da compaixão. Os pós-modernos colocam dinamite no coração de todos aqueles que ainda são duros e distantes, em todos aqueles que os atemorizam, com o objetivo de tornar as relações humanas mais leves, de as tornar menos dolorosas e incompreensíveis. A pós-modernidade pretende transformar os homens em animais de rebanho; temo que já o tenha conseguido.

III
O ensino nas nossas escolas e universidades está unicamente direcionado para a obtenção de um emprego. A assimilação de conhecimentos, que são distribuídos em massa nos primeiros anos, encolhe mais tarde rumo à técnica, sendo que o resultado é o homem como função social; o indivíduo é desde tenra idade preparado para servir o capitalismo como instrumento. A mecânica é a seguinte: educação para obter emprego, emprego para obter dinheiro, dinheiro para obter bens e serviços, bens e serviços para obter uma «vida confortável». Se algum elo desta corrente se parte, como, por exemplo, os postos de trabalho, o indivíduo deixa de ter dinheiro, e consequentemente é estigmatizado por não poder consumir. Qual era o homem mais desprezado na Antiguidade? O escravo. Qual era o homem mais desprezado na Idade Média? O herege. Qual é o homem mais desprezado no nosso tempo? O desempregado. Na medida em que não consegue ser uma função social, o desempregado vê a sua autoestima diminuir – isto significa que o seu orgulho provém de se sentir útil, isto é, de se sentir um instrumento do capitalismo. Na pós-modernidade, os homens consideram-se ferramentas; e sentem orgulho nisso!
   
A igualdade entre os homens significa que o ensino deve ser igual para todos, pelo menos nos Estados socialistas. O resultado é uma criatura sem qualquer valor! Os homens não são iguais, logo a educação não deve ser igual para todos: aqueles que desde cedo se mostram mais talentosos, mais disciplinados, mais inteligentes, mais capazes de sacrificarem o seu bem-estar no presente por futuros sucessos, devem ser separados dos restantes; os últimos devem ser instrumentos dos primeiros, para que estes possam, com a sua superioridade, trilhar novos caminhos para a sociedade. Se se continuar a tratar os extraordinários da mesma forma que se trata os ordinários, o valor do homem continuará a decair (presumo que os meus leitores já entenderam que não meço o valor do homem ao olhar para o conjunto, mas sim para os excecionais; estes estão em falta precisamente porque os medíocres se consideram a finalidade, o único tipo de homem que se pode desejar). Se na educação tudo continuar como tem sido, a maquinaria pós-moderna continuará a receber novos escravos para trabalhar nas minas da vulgaridade.
   
Repare-se ainda que a educação pós-moderna enche a cabeça dos alunos com inúmeros factos insignificantes, com conhecimentos puramente abstratos – a escola da vida é assimétrica em relação aos saberes que são oferecidos pelos professores nas nossas salas de aula. Não se ensina os alunos a desenvolverem um ponto de vista singular sobre o mundo, o que se faz é uma lavagem cerebral para implementar as normativas da pós-modernidade: uma mistura de consumismo, uniformização e pacifismo – acima de tudo quer-se democratas e cidadãos que não pensem pela sua própria cabeça. Esta ditadura das massas impede que despontem aquilo a que se apelida de «comportamentos desviantes». Esses desvios, que surgiriam naturalmente, se não houvesse uma lavagem cerebral, seriam formas de interpretar o mundo diferentes da interpretação do rebanho. O vasto leque de possíveis perspetivas do mundo é assim reduzido a uma indecorosa uniformidade.

IV
Dizem os sábios que a nossa sociedade consumista encara o valor «ter» como superior ao «ser»; isto é um grande erro. O homem sempre quis mais ter do que ser. A verdadeira causa do consumismo desenfreado está no colapso da capacidade de resistir a estímulos. Nas últimas décadas, os homens têm-se fragmentado e dispersado mais do que alguma vez aconteceu em toda a história. Incapazes de resistir tanto a estímulos internos como a estímulos externos, os pós-modernos são arrastados pela febre do consumismo; não possuem de todo a faculdade de organizar e concentrar os instintos num único alicerce onde se podem construir a si próprios.
   
O mesmo acontece com os programas de televisão que são visualizados uns atrás dos outros, com a leitura de jornais e as suas notícias absolutamente insignificantes, que estão longe da nossa natureza e interesses, e com tudo o mais que é absorvido massivamente num caldo fervente de estímulos que despedaçam a unificação de uma personalidade. A pós-modernidade, com a sua impermanência budista, não oferece possibilidades aos homens de agirem; estes vêm-se como simples espectadores desta corrente de experiências e informações.
   
O comportamento de manada cresce assim a olhos vistos. Os estímulos mais fortes arrastam as massas de um lado para o outro, aglomerando os seus instintos confusos em cada acontecimento viral. O facto de os pós-modernos serem incapazes de desenvolver uma personalidade singular, leva-os a procurar estímulos dominantes entre o rebanho; isto é aquilo a que chamamos «opinião pública». Repare-se na popularidade das redes sociais da Internet: a verdadeira razão porque se utilizam estas plataformas virtuais encontra-se no desejo que os pós-modernos têm de serem aceites pelas multidões; procura-se ainda aumentar a influência que se possui, sendo que quando isto é alcançado, a autoestima daquele que tem o poder de influenciar, e de ser considerado pelos outros internautas, cresce imensamente. No fundo, os pós-modernos acreditam que aquilo que as massas consideram «bom» é bom em si mesmo. Mas quanta ingenuidade! A sabedoria sempre foi privilégio dos solitários, a ignorância privilégio dos aglomerados. Querer pertencer a algo significa que se tem consciência da ausência de valor próprio.

V
O rebanho em que a nossa sociedade se tornou, que eu apelido de «aglomerado passivo», é constituído por todos os medíocres, que infelizmente são a esmagadora maioria. O aglomerado passivo é por definição comunal, logo não consegue entender que o desejo de solidão pode ser um sentimento orgulhoso, uma forma de evitar que se seja corrompido pelas ideias dominantes. O aglomerado passivo não aceita os solitários nem todos aqueles que erguem a cabeça entre as suas fileiras, como que recentemente despertos de um longo sono. Todos aqueles que se destacam são alvo de desconfiança, e só serão aceites caso se neguem a si mesmos (humildade). A maior aspiração do aglomerado passivo é que todos sejam iguais, nem superiores nem inferiores (como os criminosos) à maioria. Esta uniformidade impede que homens mais valorosos descarreguem todo o seu potencial.
   
Os próprios políticos, que têm origem no aglomerado passivo, intitulam-se seus «servidores». A democracia é a vitória da demagogia e da inferioridade. O exercício do poder é encarado como um meio para a transformação de todos em massas obedientes e contentes; o seu fim é impedir que hierarquias despontem. Veja-se o socialismo: a pirâmide da sociedade, com este partido no poder, fica de pernas viradas para o ar. Todos os extremos, quer de esquerda ou de direita, tentam excitar o touro que está escondido no povo inofensivo (os anarquistas são homens mais fortes, que pretendem destruir, mas ao mesmo tempo são mais decadentes, porque são incapazes de criar ou até de aceitar uma hierarquia social indispensável para o surgimento de homens superiores). Tudo aquilo que é as condições básicas de existência do aglomerado passivo é hoje tido como problema de primeira ordem – e o facto de estarmos concentrados nas camadas inferiores significa a ruína do próprio homem.
   
O povo é bastante económico nos seus desejos: trabalho, alimentação e entretenimento é tudo aquilo que necessita. Por causa disso, é completamente incapaz de criar valorações e um sentido para a vida. Essa tarefa é privilégio de homens mais elevados, de seres que desprezam aquilo com que o aglomerado passivo mais se preocupa: a preservação da vida. Atribuímos a todos os seres humanos liberdade de agirem como bem entenderem, o que é uma maldade; os inferiores não sabem como agir, precisam sempre de alguém que lhes indique as direções certas. O povo necessita de acreditar em algo superior, em algo que esteja distante das suas condições de existência; removemos Deus da sua vida, sejamos então corajosos o suficiente para lhe oferecer homens para adorar – não celebridades, que são apenas mediocridades inflacionadas, mas homens mais potentes, daqueles que habitam nas cumeadas. Apesar de o aglomerado passivo odiar tudo aquilo que seja superior às suas unidades, a sua incapacidade de resistir a estímulos ainda pode ser explorada por homens fortes o suficiente para imprimirem a sua marca e as suas esperanças.

VI
A filosofia pós-moderna encontra-se estilhaçada pelo niilismo: já não se acredita em sistemas que possam ser aplicados universalmente; desconfia-se que tudo seja apenas retórica, que tudo sejam apenas sombras. Falta a força psicológica necessária para criar uma legislação que se possa aplicar como normas de comportamento. Os filósofos pós-modernos encontram-se perdidos numa avalanche de conceitos, são incapazes de pensar para além da gramática: pensar a realidade humana.
   
A arte contemporânea carece de elevação: confusão nas proporções e delimitações; desprezo absoluto pela natureza; incapacidade de afirmar a vitalidade e o terrível do homem; esquizofrenia nos sentidos (estes nem são tidos em conta); a assimetria é encarada como beleza, a simetria deixada a um canto; distanciamento daquilo que é, aproximação daquilo que deveria ser; exagero e irritação na perceção; perda de concentração, aumento de abstração que resulta no grotesco e no aberrante. A «arte» dos nossos dias deveria ser destruída, porque é um insulto à criatividade humana.
   
A psicologia na pós-modernidade considera o tipo burguês como o protótipo de saúde mental. Os alicerces desta ciência humana são formados por uma mistura de moral cristã e hedonismo capitalista, o que se traduz na perceção do inofensivo e do espectador como os cardeais de uma estrutura mental organizada. A incapacidade de superação recebe as mais altas honras; a animalidade do homem recebe as mais duras críticas. A visão dominante do mundo encontra a sua sanção na psicologia: só o liberal, o democrata e o bom cidadão são considerados como sendo normais. As emoções humanas mais terríveis não são consideradas: a raiva, a vontade de destruir e a alegria na crueldade são tomadas como manifestações de «doenças mentais». Se fosse possível colocar um psicólogo pós-moderno no Coliseu da Roma Antiga como espectador dos Jogos, ou como espectador de um auto de fé da Inquisição Espanhola, ou como espectador de todas as ações criminosas que se seguem a um terrível desastre natural, este pensaria que todos enlouqueceram. A incapacidade de admitir o imoral como característica inerente ao homem é regra na psicologia do nosso tempo.

VII
O ateísmo é um atributo recorrente nos traços de carácter do pós-moderno: não se crê mais em Deus (ou em deuses), pelo menos da forma como até ao despontar do Iluminismo as pessoas acreditavam. Nos últimos séculos, Deus abandonou a sua posição central no mundo para passar a ser apenas uma possível entidade presente no mesmo; Deus como alicerce de todas as ações humanas é agora coisa do passado.
   
O ateísmo do povo foi-lhe implementado pelos iluministas e pelos liberais – pois as pessoas comuns são incapazes de formular a sua própria visão do mundo, obedecem sempre às instituições de pensamento dominantes. Os sábios dos séculos XVIII e XIX atiraram Deus para o esquecimento, e não ofereceram ao povo nada nem ninguém que substitua o divino. O que falta hoje é um novo ideal para almejar, após todos os ideais divinos e terrenos terem entrado em falência. A razão, a ciência, o nacionalismo e o comunismo, entre outros pontos centralizadores das ações humanas, prometiam uma felicidade universal que não foi alcançada. Após este falhanço, não se crê mais nesses velhos ideais – e já nem sequer se tem a força psicológica necessária para criar novos horizontes que atribuam um sentido a toda a existência humana. A civilização ocidental encontra-se à deriva num mar de lodo, enquanto o navio apodrece rapidamente e a tripulação perde toda a esperança numa salvação.
   
Os crentes encontram-se numa situação menos desesperante daquela em que se encontram os ateus, embora vivam de ilusões. O que quero dizer com isto é que viver de acordo com as ditaduras de uma determinada crença aumenta a perceção de valoração própria, fruto da grandeza da crença, enquanto os ateus não possuem um bem maior que levante a sua autoestima e que lhes atribua um lugar determinado no mundo, um modo de estar e o que esperar do futuro. Aqui pouco importa a verdade ou a mentira de uma crença: o aumento da densidade do solo em que uma vida pisa é o verdadeiro critério da utilidade de uma crença. Repare-se no vazio dos ateus: vivem num edifício onde as paredes, o teto e o chão carecem de propósito e de sentido; a todos os momentos o edifício ameaça desabar em cima das suas cabeças.
   
Já dizia Napoleão que «a religião é aquilo que impede os pobres de matarem os ricos». Ora, os pobres hoje são demasiado fracos para empreender tal ação, mas o crescente pedido de direitos e mais direitos dá razão ao Imperador dos Franceses: as camadas inferiores da sociedade perderam a modéstia, devido à ausência de perceção do seu lugar no mundo e à perda de contentamento com «o pão nosso de cada dia». O ateísmo pretende abolir superstições que consideram decadentes para o homem, mas o resultado desta pretensão é aquilo que combatem em primeiro lugar: o aumento da decadência, que no processo arrasta consigo toda a humanidade rumo aos subterrâneos da História.

VIII
Se as religiões colocam o homem no centro do mundo, a ciência atira-o para as periferias. A desvalorização do homem foi sendo acelerada constantemente nos últimos séculos. Hoje chegamos ao ponto de atribuir o mesmo valor aos animais daquele que atribuímos ao homem, o que é algo que uma espécie saudável nunca faria. Fala-se em «direitos dos animais», quando o que aqui está em causa é a impotência em presenciar sofrimento: a origem dos direitos dos animais, tão defendidos pelas almas delicadas, significa apenas que estes querem eliminar o sofrimento do mundo, seja este humano ou animal, dado que são incapazes de o suportar (o desprezo que os defensores dos animais sentem pelos seres vivos em que não conseguem compreender – isto é, sentir – a biomecânica do sofrimento, tal como os insetos, micro-organismos e peixes, é uma prova que esta minha tese está correta). Até ao liberalismo, a crueldade era uma alegria: as execuções públicas eram uma festa, especialmente as execuções de hereges – nos dias em que os hereges eram queimados nas fogueiras da Inquisição, realizavam-se feiras e até se formulavam contratos de casamento entre nobres, tudo isto no meio de um ambiente de extrema alegria. Os homens já não gostam de presenciar sofrimento, seja este infligido sobre humanos ou animais (exceto quando o sofrimento é infligido àquelas pessoas que odeiam; aí o instinto de vingança é mais forte); somente em homens mais naturais, mais selvagens, mais ligados aos seus instintos, ainda conseguimos encontrar alegria em presenciar sofrimento, e até em provocá-lo. A sensibilidade dos seres humanos foi progressivamente aumentada; temo que qualquer dia já nem uma tempestade os homens conseguirão suportar.
   
O que aconteceu é que já não conseguimos disfarçar a dureza e a amoralidade da natureza. Os nossos valores transmutavam esse sofrimento, justificavam-no. Exceto o budismo original – que é uma filosofia extremamente realista, removidos os adereços com que foi enfeitado pelos discípulos de Buda –, todas as religiões explicavam o porquê do sofrimento. Hoje carecemos de uma razão que justifique o sofrimento, e isso provoca o repúdio da própria vida. Retiramos as máscaras, que nós próprios colocamos, à natureza, e agora não conseguimos olhar para a sua verdadeira face. É exatamente por causa disto que anteriormente disse que a verdade ou a mentira de uma crença não é importante: as suas consequências devem estar em primeiro plano, porque o efeito da crença é mais importante do que a veracidade da sua doutrina.
   
O culto da técnica, das miudezas, dos pormenores, tão característico da pós-modernidade, afasta-nos da natureza; nós somos natureza, algo que foi esquecido, diria mesmo distorcido. Atualmente vivemos num universo quase inteiramente artificial, um universo que nós próprios criamos; somos mais tecnológicos do que naturais, cuja consequência é uma degeneração psicológica, emocional, anímica e mesmo física. O corpo passou a ser um ideal estético, não um veículo que carrega pulsões intensas que exigem serem descarregadas. Na pós-modernidade, o sangue e os instintos são desprezados, pretende-se esconder toda a animalidade do ser humano com uma cosmética de pacifismo e sentimentalismo doentio.

IX
A família como unidade, uma instituição social que percorre toda a história da civilização, desagregou-se em unidades ainda mais pequenas: os indivíduos, os elementos que compõem a família, são agora a única realidade reconhecida. O pai, chefe da casa, foi removido para um canto, abandonando a liderança das aspirações sociais, e políticas, que desde sempre moveram a família na turbulenta realidade humana. Em toda a história registada, as ações de um membro de uma família afetavam todo o conjunto da mesma, em todas as vertentes; agora limitam-se ao indivíduo em si. O individualismo é uma das maiores ditaduras da pós-modernidade.
   
O resultado desta desagregação é a perda de sentido do próprio casamento nos nossos dias. Inicialmente uma forma de organizar as unidades (famílias) no tecido social hierarquizado, passou a ser apenas um capricho individual, algo que carece de propósito e de um fim definido. O casamento por amor é absolutamente insensato, porque os seus fundamentos são as paixões e não a razão. Atualmente não existe um para quê no ato desta união, um efeito que se pretenda obter – como alcançar uma determinada posição social, unir famílias que sejam inimigas uma da outra ou produzir um herdeiro já com um objetivo pré-definido para o mesmo. O casamento tem as suas origens na religião; os sacerdotes sempre dominaram esta instituição. O facto de estes terem perdido o seu poder sobre os homens, explica a decadência que tomou conta do casamento.
   
Por mais que procure, não encontro sentido algum em toda a pós-modernidade. Faltam os alicerces em que se possa criar algo que dure milénios – o primeiro imperador chinês, ao falar hoje em «dez mil gerações», seria provavelmente enviado para um manicómio! Os homens não sabem donde vêm, o que fazem e para onde se dirigem. O absoluto é rechaçado e o relativo é acarinhado.

X
Os próprios homossexuais ignoram aquilo que lhes permitiu, pela primeira vez em cerca de mil e setecentos anos, erguerem a cabeça na sociedade: o conceito de «amor livre». Inicialmente significava amor livre das amarras da Igreja e do Estado; no entanto, o que se vê hoje é o desejo dos homossexuais em se casarem, ou seja, em deixarem de estar livres das amarras que os prendiam! Isto só é possível porque o casamento libertou-se das suas origens religiosas, para decair em simples mercadoria abstrata ao alcance de qualquer um. Esta é a machadada final no conceito de família.
   
Não existe nada de errado nas relações homossexuais, nada de antinatural: na antiguidade, entre os egrégios povos pagãos, era amplamente praticado o sexo entre indivíduos do mesmo género, e o mesmo acontece em todas as restantes espécies do reino animal. Ao contrário dos darwinistas, que julgam que o sexo só existe para a reprodução, eu penso de forma diferente: a reprodução é apenas um dos efeitos do sexo, não a sua causa (a causa do sexo ainda não foi determinada, nem eu penso que possa ser definida assim tão facilmente). Outros efeitos do sexo, para além da reprodução, são a intensificação da vitalidade, o açambarcamento de organismos (ou de objetos, como acontece com algumas pessoas que sofrem de sinestesia), tomando-os como se fossem propriedade, e o prazer que ocorre ao serem descarregadas as tensões. Assim, a homossexualidade parece-me ser uma das características mais óbvias da natureza.
   
O que condeno é o facto de a nossa civilização ocidental permitir, ainda que em poucos países, esta destruição do valor do casamento e da família, que acontece com as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Para além disso, parece-me mal que os homossexuais desejem ser aceites pelo rebanho, parece-me que esse desejo de reconhecimento é uma traição a si mesmos; encaro esse desejo até como um mal-estar para com a sua condição, pois se estivessem à vontade não exigiriam aceitação ao resto da sociedade. As relações entre pessoas do mesmo sexo podem perfeitamente ser aceites como uma união natural (a resistência do cristianismo à busca do prazer corporal está a diminuir); no entanto, uma união oficial deve permanecer apenas como uma união entre um homem e uma mulher, para que o casamento mantenha ainda uma réstia de dignidade; se isso não for assim, então essa instituição social pode ser abolida, pois deixa de ter qualquer valor.

XI
A emancipação das mulheres confirma tudo o que penso da pós-modernidade. Quem compreende o que significa verdadeiramente esta emancipação? Significa que aquelas que não tinham lugar no regime social antigo se revoltaram, e no processo arrastaram todas as mulheres para longe dos seus instintos. O que quero dizer é que foram as mulheres toscas, inférteis ou infelizes que originaram esta reclamação pela igualdade de géneros, ao revoltarem-se contra o sistema patriarcal que governava a civilização ocidental. Essas almas imperfeitas, que eram desprezadas pela sociedade, iniciaram aquilo que entendemos por «emancipação feminina»; esta era a única forma de saírem da mó de baixo. Mais tarde, todas as mulheres seguiram também por esse caminho, porque os próprios homens convertidos em feministas (falta de testosterona?) e as primeiras mulheres emancipadas só lhes deixaram esta rota para percorrer. Todas as mulheres que estão em contato com os seus instintos compreendem o que digo; elas sabem que a sua natureza, o seu mais alto desiderato, é ser propriedade do homem – a mulher bela e feliz adora seduzir, quer ser conquistada, quer que um homem viril a incorpore como propriedade muito estimada.
   
A emancipação feminina trata-se apenas de uma guerra silenciosa de mulheres contra mulheres; os homens funcionam apenas como bode expiatório. No entanto, os homens não entendem isto, e agora tomam a igualdade de géneros como imperativo; pior ainda, chegam mesmo a condenar o uso da mulher como objeto, como por exemplo na publicidade. Mal eles sabem que uma mulher que seja ao mesmo tempo bela, fértil e feliz entende-se como objeto, que a sua aparência física é toda a sua paixão e todo o sentido da sua existência. A mulher bela, desde que esteja em contato com os seus instintos, isto é, desde que se sinta bem com a sua natureza, procura ser admirada como uma obra de arte, gosta de enfeitar-se para atrair os olhares dos homens, não procura a igualdade de géneros mas sim ser intensamente desejada e amada por um homem; a mulher bela adora homens determinados, orgulhosos, apaixonados e até mesmo violentos na demonstração dos seus afetos.
   
O crescimento dos belos sentimentos é uma consequência do levantamento geral feminino. A sensibilidade para com o sofrimento alheio deixou a natureza das mulheres e tomou conta também da natureza dos homens. O homem hoje já não é um guerreiro – uma qualidade que as mulheres sempre apreciaram –, mas antes uma catatónica e delicada criatura. A emancipação das mulheres destruiu primeiro a estabilidade da família, e agora ameaça destruir os próprios homens – ou pelo menos a sua natureza violenta, agressiva e férrea.

XII
Tudo o que disse até aqui limita-se à civilização ocidental. Felizmente ainda existem civilizações onde os valores estão bem vivos e onde consequentemente a arquitetura da sociedade é sólida, como por exemplo na civilização islâmica; os muçulmanos ainda são homens inteiros e as muçulmanas ainda são mulheres com os instintos no local certo. Existem ainda muitas tribos em África, na América e na Oceânia onde o niilismo e a confusão não penetraram. Na Ásia, o budismo e o hinduísmo oferecem um modo de estar na vida que não provoca mal-estar, antes provoca um contentamento perpétuo que é independente dos acontecimentos e das tragédias da existência. Somente o Ocidente se encontra em decadência, fruto do colapso do cristianismo, que nos últimos dois milénios foi a única força que ofereceu valores sólidos e um porquê ao sofrimento. Mas é precisamente a ascensão do estilo de vida ocidental, que se espalha rapidamente por todo o globo, a grande ameaça que paira no horizonte. Se esta ascensão acabar por triunfar, o homem entrará na noite eterna, no crepúsculo da sua história.
   
O que acontecerá depois deste crepúsculo? Teremos a fragmentação total dos homens, uma espécie de retorno ao caos da natureza; o estado de coisas final será composto por fantasmas eternamente descontentes, por algo muito distante daquilo que já foi uma vitória sobre a natureza.

XIII
Com isto chego à tese que penso que explica a pós-modernidade. Ainda não foi encontrada uma explicação sobre o que esta realmente é, desde que teve início nos anos 60 nos Estados Unidos, pelos campeões do hedonismo. A minha definição é a seguinte: a pós-modernidade é a expressão do poder do povo. Quando uma civilização não tem a sua sociedade civil hierarquizada, surge algo parecido com a pós-modernidade. Isto só aconteceu uma vez na história da humanidade: no Ocidente do nosso tempo.
     
Uma das expressões mais visíveis do poder do povo é a dissolução das estruturas de poder que se vem intensificando desde os anos 60. O pai perdeu o poder absoluto sobre o filho, o professor sobre o aluno, o polícia sobre o cidadão, o intelectual sobre o analfabeto, etc. Estamos a assistir a um ataque silencioso contra a autoridade (hierarquia, posição, distinção, distância) com vista a um futuro social onde todos são iguais e todos têm o mesmo nível de poder.
   
Desde sempre foram os sacerdotes e os aristocratas que criaram os valores que pairaram sobre a cabeça dos homens (os primeiros diretamente, os segundos indiretamente). O terceiro estado (povo) é completamente incapaz, como disse anteriormente, de criar um sentido e um propósito para as suas ações. No momento em que no Ocidente não temos aristocracia no poder, nem uma religião forte, dado o recente esvaziamento do sentido atribuído à vida pelo cristianismo, o povo foi deixado órfão de valores, e assim limitou-se a fazer a única coisa que consegue fazer: cuidar dos seus interesses básicos, o que resultou num hedonismo capitalista pelos seus membros mais astutos (os burgueses).
   
O que manteve a sociedade coesa até aos anos 60 foram as experiências com ramificações do cristianismo: a ciência e o iluminismo são apurações do sentido de verdade da religião cristã, uma espécie de transformação da ideia de que «a verdade é divina» em imperativo racional; liberalismo e socialismo, embora com diferenças, aspiram ambos à igualdade universal, ao bom estilo cristão, apesar dos distintos alvos de tal aspiração: no cristianismo primitivo quer-se a igualdade para destronar os senhores romanos, no liberalismo para destronar os sacerdotes e no socialismo para destronar os capitalistas – a demanda por igualdade nos nossos dias é uma consequência, uma ideia que permaneceu por si mesma, dado que o projeto socialista falhou no século XX; nos nossos dias a vontade de igualdade não tem um objetivo, é apenas um ritual que permanece sendo executado mas que perdeu a simbologia inicial. Outro vestígio do cristianismo que permaneceu foi a solidariedade, também como ritual desligado da sua origem.
   
Desde muito antes da Revolução Francesa até aos anos 60 do século XX, tentou-se retirar os ideais cristãos das mãos dos sacerdotes católicos e aplicá-los numa sociedade laica. Estas tentativas falharam, e consequentemente o aglomerado passivo tomou o poder – repare-se que os políticos já não querem impor valores ao povo, apenas querem ajudá-los a concretizar os seus desejos mesquinhos; estes políticos fazem parte do povo, não haja dúvida! O que aconteceu é que o aglomerado passivo não acredita nos seus próprios membros, só acreditava nos sacerdotes católicos. Só eles tinham o poder de criar valores para o povo, porque sempre se mascararam com êxito: a vontade destes sempre pareceu a vontade de Deus. Os iluministas, os liberais e os socialistas não conseguiram tomar o lugar dos sacerdotes porque exprimiram os seus desejos na primeira pessoa, não tinham legitimidade para os exprimir como a vontade de algo superior: como vontade divina.

XIV
Quando é que os aristocratas e os sacerdotes perderam o poder no Ocidente? A resposta demonstra que a pós-modernidade é o último elo duma longa corrente. Os aristocratas perderam o poder com o absolutismo, quando os sacerdotes, que tinham o povo na mão, lançaram a ideia de que a fonte do poder dos monarcas era a vontade divina: era Deus quem colocava os monarcas no trono. Com o apoio dos sacerdotes e do povo, os reis impuseram a sua autoridade aos aristocratas (o reinado de Luís XIV da França é um bom exemplo de quão fraca a aristocracia se tornara). Quanto aos sacerdotes (os católicos são os únicos sacerdotes cristãos legítimos), o protestantismo deu-lhes o golpe fatal; apesar da força da Reforma Católica, o mal já estava feito. Quando o papa Leão X foi para o túmulo, levou consigo a força do catolicismo; nesse momento, o destino cinzento do Ocidente ficou traçado.
   
As ideias iluministas derivam das ideias protestantes, o mesmo ocorrendo com a ciência moderna. Para além disso, os burgueses (a maioria eram iluministas) também beberam da fonte protestante, e isso explica porque os países onde o catolicismo não dominava foram os primeiros a iniciar a Revolução Industrial. Os burgueses adquiriram imensa força com o protestantismo, tal como todos os ideais modernos que queriam um cristianismo liberto do monopólio dos sacerdotes católicos (os ingleses chegaram ao ponto de manter a moral cristã depois de repudiarem os sacerdotes, que tinham sido os fundadores dessa moral; ora, sem sacerdotes no poder não pode continuar a haver moral cristã, o contrário é um contrassenso).
   
A grande ironia disto tudo é que Martinho Lutero, o fundador do protestantismo, desprezava o povo. Mas é graças a ele que 450 anos mais tarde o povo se tornou senhor! A grande verdade é esta: a pós-modernidade é herdeira do protestantismo.

XV
Com Martinho Lutero iniciou-se um longo período de incerteza que terminou nos anos 60 do século passado. Esse foi o período em que várias tentativas foram realizadas para conservar o cristianismo sem a liderança dos sacerdotes. Este é um erro muito comum na história da humanidade: quer-se manter um sistema sem os seus fundadores. Podemos ver isso acontecer em todas as religiões: a doutrina dos profetas e dos grandes sábios é sempre alterada devido a lutas pelo poder. O que aconteceu no Ocidente pode muito bem acontecer com outras civilizações no futuro – o islamismo é um bom exemplo: os xiitas podem daqui a vários séculos vencer definitivamente os sunitas.
   
De qualquer forma, felizmente todas as outras civilizações ainda são dirigidas por poderes aristocráticos ou sacerdotais; temos muitas democracias a emergir, especialmente no rescaldo na Primavera Árabe, mas nelas os sacerdotes ainda continuam a mandar nos espíritos e nos corações do povo; os civis ainda não arrancaram a religião das mãos dos sacerdotes, tal como aconteceu no Ocidente.
   
Os valores são uma forma de congelar o devir, uma forma de esconder o sem-sentido inerente à vida. As civilizações conseguem ordenar, pelo menos aparentemente, o caos em que está imersa a natureza. Tanto as civilizações, como os valores que estas criam, são a expressão da superioridade dos seres humanos sobre as restantes espécies deste planeta. No entanto, só os melhores dos homens conseguem criar e desenvolver civilizações, juntamente com os valores que as fixam em pé: os aristocratas e os sacerdotes são os melhores, são os únicos que possuem força psicológica suficiente para empreender tal colossal tarefa. Dos primeiros nascem os temerários, os elevados, os orgulhosos, os conquistadores; dos segundos nascem os profetas, os fundadores de religiões, os filósofos, os pastores do agregado passivo. Nunca antes estes dois tipos de homens se uniram (os papas do Renascimento estiveram perto disso), os aristocratas e os sacerdotes sempre se digladiaram numa guerra do corpo contra a alma. A união dos dois tipos num só daria origem a algo novo, a homens superiores a todos aqueles que até agora pisaram a face da terra. A minha aspiração é que esta união aconteça. Ao imaginar a fusão de um Napoleão Bonaparte com um Maomé, o espanto e a admiração por tal maravilhosa criatura sobre-humana tomam conta de mim!

XVI
A primazia na ordem social é hoje irrecuperável para os sacerdotes católicos. Eles conservam algum poder com os batizados, casamentos, confissões e funerais, mas esse é um poder ligeiro; nessas ocasiões servem apenas como adereços obrigatórios, dado que são rituais que já perderam a força e simbologia iniciais. Eles já não possuem a capacidade de se apresentarem, perante as massas, como os mensageiros da vontade de Deus, dado que o divino foi desprovido da sua plausibilidade. Nem sequer podem ameaçar com o Inferno, pois esse instrumento de poder já só assusta as crianças. Quanto aos aristocratas, tanto na monarquia absolutista como na monarquia constitucional não são tidos em conta, não possuem o exercício do poder; só no feudalismo ou numa oligarquia conduzem o Estado, mas esses sistemas de governo não são de todo aplicáveis no nosso tempo – o povo, atiçado pelos políticos pós-modernos, esmagaria imediatamente um governo desse tipo. O aglomerado passivo, por seu turno, vive apenas para fins prazerosos e para evitar a dor – no momento em que o prazer e a dor são as referências de todas as ações, quando não se consegue ver para além desses conceitos, todo o agir carece de sentido de missão.
   
A pós-modernidade, que é a face visível da tirania do aglomerado passivo, acabará por se espalhar por todo o globo – tanto na China como em vários países árabes já lançou fundações. O comunismo, que é um ramo torto do cristianismo, acabará por desaparecer, porque o ateísmo, inerente a esse sistema de governo, destrói a força psicológica ao não oferecer um sentido para o sofrimento. Para além disso, a igualdade efetiva entre os homens é impossível: a competição intraespecífica (competição entre indivíduos da mesma espécie) acaba sempre por sobressair; nós somos seres naturais, não máquinas que podem ser programadas.
   
Inevitavelmente, iremos caminhar rumo ao crepúsculo do homem, que aliás já começa a lançar as suas sombras um pouco por todo o mundo. Caso não se levante no horizonte um novo tipo de homem, que traga a cura para a doença da pós-modernidade, os grandes momentos da nossa espécie serão coisa do passado, e tudo o que existirá entre os homens será apenas miasma.

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Crepúsculo do Homem - Ensaio de uma Crítica da Pós-Modernidade Empty Re: Crepúsculo do Homem - Ensaio de uma Crítica da Pós-Modernidade

Mensagem por Carlos Costa 21st abril 2015, 18:46

Agora já podem ler o meu ensaio em inglês no seguinte link:
http://acasadoconhecimento.blogs.sapo.pt/tag/twilight+of+man

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